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domingo, 8 de abril de 2012

QUE PARVO QUE SOU

Não consigo perceber porque é que os políticos têm a convicção generalizada de que o povo é burro. 


Mas deve ser por isso que pensam que um voto é uma emoção e não uma convicção. Que um discurso é uma forma e não um conteúdo. Que uma mentira é apenas outra versão possível da verdade. Que a traição é só uma questão de datas e que a comunicação social tem a obrigação de relatar acriticamente as insanidades irresponsáveis com que a classe politica nos brinda todos os dias.


Porque é que nenhum tem coragem para dizer às pessoas que é preciso empobrecer? Que vivemos os últimos trinta anos numa ilusão de riqueza impossível num país tão pequeno e tão pouco produtivo como o nosso? Que daqui para o futuro, é preciso ganhar menos e trabalhar mais, ir menos de férias e ajudar mais os outros. Ser menos egoísta e mais solidário. E principalmente ser feliz assim.

Porque é que então se insiste num discurso paliativo sobre o futuro quando o presente demonstra que esse mesmo futuro vai ser difícil e em muitos casos dramático? Por uma razão simples: a maior parte dos políticos acha que o povo é um meio e não um fim.

Esta ideia está fundada numa razão geracional: os filhos da revolução dos cravos, essa geração de “facilidades” que presentemente preenche a classe média, preferiu até agora ser liderada por políticos redondos e estéreis. Fê-lo prazenteiramente ao melhor estilo de avestruz, recusando reconhecer quaisquer responsabilidades. Fazendo de conta que vivia no melhor dos mundos. Sem assumir que trabalha pouco, sabe pouco, que é desorganizada e preguiçosa.

Mas há uma novidade! Esta geração parva, como tão bem a batizou os Deolinda, também sabe que “isto” não pode continuar. Pode pela primeira vez perceber – porque a necessidade aguça o engenho - que enfrenta não um fim de ciclo, mas sim um fim de regime. A geração parva sabe que tem de mudar de vida.

O momento atual encerra pois uma oportunidade de ouro. Quem quiser ganhar o poder tem de utilizar um discurso que vá de encontro à mais profunda crença das pessoas. Um discurso que lhes diga, não o que elas querem ouvir, mas aquilo que elas sabem que têm de ouvir. Pela primeira vez em muito tempo as pessoas estão preparadas. Precisam de um pai. Diferente da mãe que Manuela Ferreira Leite já não podia ser.

São raros os momentos em política onde a propaganda é menos eficaz que a verdade. Este é um deles.

Mas temo que tal não aconteça, pois é sempre mais confortável encontrar alguém a quem atirar a culpa da nossa incompetência.


Publicado originalmente, no Diário de Coimbra

terça-feira, 3 de abril de 2012

Saudade

Dormir só
sem vós
na casa grande
que é vossa
é como esperar
acordado
na vida grande
que é minha

A crise da "Vanda larga"

vanda larga
A rua da Vanda

A Vanda tem um problema na tiróide. Come pouco e engorda muito. Por isso a Vanda é lenta. 

A casa da Vanda é velha. Tem cinquenta anos. Fica numa cidade pequena e envelhecida no centro de Portugal. A rua é a descer para os carros e a subir para os peões. Porque tem trânsito só num sentido e passeio só no outro.

A rua não têm árvores, é muito sinuosa e as casas são feias porque ninguém as pinta. Não há lojas por perto. Não há nenhum café, nem bar, nem restaurante, nem biblioteca. Há paredes de um lado, passeio do outro e carros no meio.

A Vanda mora no meio da rua, numero 128, quarto esquerdo, num quarto arrendado sem elevador. A mobília da Vanda é alugada. Nada no sítio onde ela vive é dela. É tudo do senhorio. A Vanda vive nesta casa há dez anos. Vive lá porque não pode pagar mais e a renda é barata.

Sempre que alguém se sente mal e vem a ambulância, o que acontece de vez em quando, porque há muitos velhos na rua, pára tudo. A ambulância ocupa o passeio e os carros não passam. Se for de noite as luzes azuis que volteiam inventam desenhos engraçados nas paredes. A policia veio uma vez e as luzes também eram azuis. Mas isso foi há muito tempo.
A cozinha da Vanda

A Vanda tem quatro amigos. São todos muito parecidos com a Vanda; mas em magro. Três também vivem em casas alugadas e um tem um empréstimo à habitação. São todos magros porque a tiróide deles funciona bem, mas também comem pouco. Vivem todos sozinhos. Divorciaram-se antes de ter filhos, depois, não quiseram, e agora já não podem. Acham que não são tristes mas dizem que são felizes com mágoa. São todos do Benfica. A Vanda já foi da Académica quando era nova. Agora já não é. Cansou-se de perder.

No verão passado abriram um fosso no meio do alcatrão e a rua da Vanda ficou cortada ao trânsito. Diziam que era para ser rápido mas demorou três meses. A rua demora dez minutos a descer e vinte a subir. Pelos amigos magros. A Vanda demora o dobro. Um mês depois de taparem os buracos, já inverno adentro, puseram publicidade nas caixas do correio. Ninguém queria acreditar no que apregoavam: Internet rápida.
Não vale a pena desatinar com vidas que não podemos ter.

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sexta-feira, 23 de março de 2012

Manifesto pai


pai diogoQuero que declarem feriado o dia do pai. Ainda que seja só durante um ano e mesmo que logo a seguir o Miguel Relvas o mandasse abolir por causa da crise. Já valia a pena.
Reclamo que esse feriado seja simultaneamente laico e religioso. E que o conflito gerado com essa singularidade inviabilize a sua posterior revogação.
Reivindico que, pelo menos durante 24 horas, exista um direito alienável a que os pais  sejam crianças outra vez. E façam ginástica como as meninas e joguem futebol com os rapazes sem se cansarem nem terem dores nas costas.
Desejo que eles nunca cresçam e que a sua infância seja eterna com a mesma força com quero que cresçam felizes, livres e sem temores.
Demando “outra” lei especial, dos Homens, mas sobretudo do bom senso, que impeça que o poder da norma se sobreponha à responsabilidade e ao amor.
Requeiro poder recordar mais tarde aqueles sorrisos, de todos os dias em que os acordei de manhã e os adormeci à noite sem o sentimento torpe de que tudo se acaba na quarta feira.
Lamento todos os sorrisos que perdi. Por não estar, por não ter podido estar e por ter sido impedido. Isso sim devia ser abolido.
Peço que sejam descontados ao meu carro cada um dos os cem mil quilómetros, percorridos só para os ver. Porque é muito injusto que  alguma coisa se desvalorize por amor.
Solicito, com caráter de urgência que, nas salas de estar de todas as casas, mas sobretudo nos quartos deles, este manifesto seja afixado dentro de molduras cor de rosa e verdes. E depois parvas e radicais. Depois saudosas, depois eternas.
Exijo que nas descobertas da botânica, àquela flor incansável, ainda por descobrir, que irradia calor no inverno, refresca tudo no verão e cresce na primavera e no outono, se possa chamar pai.
Por último, e mais necessário do que tudo isto, anseio que todos as palavras deste manifesto de apliquem, pela força de amor, às mães.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

i


Imagina isto, Imagens intensas
Irrompem ígneas invivo. Ideias
Imensas iniciam inolvidável
Iguaria. Inloco, imponentes
Inovações ilustram impares
Iterações infalíveis. Isto impõe-se
Irreversivelmente. Incorpora-se,
Instala-se, inala-se. Inenarrável!
Isto ilumina! Isto incendeia!
Indelével intenção iniciática. Inocente.
Indecente. Insolente. Inigualável
Inscrição interior. Isto, isso,
Insisto, irrompe implacável.
Imagino-te! Invejo-te! Imploro-te
Inauguro-te. Impõe-te,
Inigualável i
Imperativo!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Branco perdido

uma pétala branca no meio do olhar, como um nada/tudo à espera ...

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

horas de inverno

como poemas
escolhem
os
dias
encolhem
como poemas

quinta-feira, 12 de março de 2009

Everything

Give me please five minutes of....

Tempo

Ontem e hoje morreram dois conhecidos meus. Tinham os dois perto 50 anos.

O Zé tinha um restaurante na figueira e viveu três vidas. Tinha o melhor peixe do mundo e uma energia sem limites. 

O João, jornalista, era homem de princípios e disputas. Viveu na minha terra muitos anos e conheci-o bem.

Comi no restaurante do Zé e cruzei-me com o João num concerto do José Mário Branco, há pouco tempo.

Os dois partem agora na sua última viagem, já anunciada, mas sempre vestida da cruel surpresa cruel dos finais irremediáveis.

Parte um bocadinho do tempo onde vivo. Ficam as memórias.

Um dia este combóio mundo nos há-de levar a todos.

Até lá é só preciso viver.


quarta-feira, 11 de março de 2009

There goes a supernova

Zoom criativo sobre lua cheia
A primavera chega em late winter dream
I miss wednesday's nights