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terça-feira, 3 de abril de 2012

A crise da "Vanda larga"

vanda larga
A rua da Vanda

A Vanda tem um problema na tiróide. Come pouco e engorda muito. Por isso a Vanda é lenta. 

A casa da Vanda é velha. Tem cinquenta anos. Fica numa cidade pequena e envelhecida no centro de Portugal. A rua é a descer para os carros e a subir para os peões. Porque tem trânsito só num sentido e passeio só no outro.

A rua não têm árvores, é muito sinuosa e as casas são feias porque ninguém as pinta. Não há lojas por perto. Não há nenhum café, nem bar, nem restaurante, nem biblioteca. Há paredes de um lado, passeio do outro e carros no meio.

A Vanda mora no meio da rua, numero 128, quarto esquerdo, num quarto arrendado sem elevador. A mobília da Vanda é alugada. Nada no sítio onde ela vive é dela. É tudo do senhorio. A Vanda vive nesta casa há dez anos. Vive lá porque não pode pagar mais e a renda é barata.

Sempre que alguém se sente mal e vem a ambulância, o que acontece de vez em quando, porque há muitos velhos na rua, pára tudo. A ambulância ocupa o passeio e os carros não passam. Se for de noite as luzes azuis que volteiam inventam desenhos engraçados nas paredes. A policia veio uma vez e as luzes também eram azuis. Mas isso foi há muito tempo.
A cozinha da Vanda

A Vanda tem quatro amigos. São todos muito parecidos com a Vanda; mas em magro. Três também vivem em casas alugadas e um tem um empréstimo à habitação. São todos magros porque a tiróide deles funciona bem, mas também comem pouco. Vivem todos sozinhos. Divorciaram-se antes de ter filhos, depois, não quiseram, e agora já não podem. Acham que não são tristes mas dizem que são felizes com mágoa. São todos do Benfica. A Vanda já foi da Académica quando era nova. Agora já não é. Cansou-se de perder.

No verão passado abriram um fosso no meio do alcatrão e a rua da Vanda ficou cortada ao trânsito. Diziam que era para ser rápido mas demorou três meses. A rua demora dez minutos a descer e vinte a subir. Pelos amigos magros. A Vanda demora o dobro. Um mês depois de taparem os buracos, já inverno adentro, puseram publicidade nas caixas do correio. Ninguém queria acreditar no que apregoavam: Internet rápida.
Não vale a pena desatinar com vidas que não podemos ter.

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1 comentário:

Xana disse...

Adorei, continuas a escrever que é uma maravilha. Gosto dos pormenores, sempre foste muito bom a descrever as coisas simples da vida, o homem na sua pura essência.